Sep 5, 2025

A Venezuela vive uma transformação significativa em seu cenário econômico: as criptomoedas estão deixando de ser apenas um tema de nicho e se tornando instrumentos essenciais para que cidadãos e empresas enfrentem a desvalorização acelerada do bolívar e as restrições governamentais sobre o dólar. Nos últimos anos, plataformas de carteira digital como Binance e Airtm passaram a ser amplamente aceitas em estabelecimentos de diversos portes, desde pequenas lojas familiares até redes nacionais, permitindo que a população realize compras, pague fornecedores e até receba salários em moedas digitais. A adoção crescente do USDT, uma stablecoin atrelada ao dólar, exemplifica essa tendência. “Planejo ter um dia toda a minha economia em cripto”, afirma Victor Sousa ao efetuar uma compra de acessórios para celular. Segundo levantamento da empresa de dados Chainalysis, entre julho de 2023 e junho de 2024, o uso de criptomoedas na Venezuela cresceu 110%, posicionando o país como o 13º maior adotante de criptoativos no mundo. O aumento exponencial do interesse ocorre em paralelo à desvalorização do bolívar, que perdeu mais de 70% de seu valor entre outubro de 2024 e junho de 2025, enquanto a inflação anual disparou para 229%, de acordo com o Observatório Venezuelano de Finanças (OVF). Crise econômica impulsiona a adoção de criptomoedas Economistas apontam que o crescimento do uso de moedas digitais é motivado por uma combinação de fatores: inflação galopante, baixos salários, escassez de moeda estrangeira e dificuldades para abrir contas bancárias. “Os venezuelanos começaram a usar criptomoedas por necessidade, como um mecanismo de proteção financeira”, explica Aarón Olmos, do Instituto de Estudos Superiores em Administração, em Caracas. A instabilidade do governo de Nicolás Maduro também contribuiu para o fenômeno. Entre as medidas recentes, destacam-se prisões de operadores de sites de câmbio do dólar no mercado negro e o fechamento do principal regulador de criptomoedas em 2023, após acusações de desvios milionários. Apesar disso, a população segue recorrendo a stablecoins, como USDT, para proteger o valor de seus ativos. Imagem gerada por IA Criptomoedas como ferramenta cotidiana Empresas venezuelanas estão cada vez mais incorporando criptomoedas em suas operações diárias. Gabriel Santana, contador de uma loja de ferragens em Caracas, relata: “Pagamos fornecedores e funcionários com USDT. Mesmo que haja pequenas perdas na conversão, a estabilidade da moeda digital supera o risco do bolívar em rápida desvalorização”. Além do setor privado, universidades também investem na formação de especialistas em blockchain e criptomoedas. Na Universidade Católica Andrés Bello, um curso especializado demonstra como o conhecimento sobre moedas digitais se torna estratégico em um país onde a economia tradicional está fragilizada. Bitcoin (Foto: Shutterstock) O papel do governo e perspectivas futuras O próprio governo venezuelano já experimentou moedas digitais. Em 2018, foi criada a petro, criptomoeda nacional vinculada ao petróleo, que não conseguiu se consolidar e teve sua relevância reduzida. Apesar das tentativas do Estado de regular e promover o setor, a adoção de moedas como USDT e outras stablecoins cresce independentemente das iniciativas governamentais, mostrando a força do mercado privado e a necessidade de alternativas confiáveis em um ambiente econômico instável. Por fim, enquanto a Venezuela enfrenta hiperinflação e restrições cambiais, as criptomoedas consolidam-se como uma alternativa prática e segura, não apenas para proteger o patrimônio da população, mas também como ferramenta de pagamento, salário e planejamento financeiro, consolidando-se cada vez mais no cotidiano econômico do país.